domingo, março 18, 2007

Do mesmo autor do post anterior

Poesia Matemática

Às folhas tantas do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides,
boca trapezóide,
corpo retangular,
seios esferóides.
Fez de sua uma vida paralela à dela
até que se encontraram no infinito.
"Quem és tu?",
indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa.
"E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética correspondea almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes até aquele dia em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,uma unidade.
Era o triângulo, tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração, a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser moralidade
como aliás em qualquer sociedade.

Texto de Millôr Fernandes

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